Entrevista a Isabela Figueiredo

A rubrica "Entrevistas" está de regresso, desta vez com Isabela Figueiredo.

Esta autora nasceu em Lourenço Marques, Moçambique, hoje Maputo, em 1963, e veio para Portugal em 1975, após a independência de Moçambique.

Entre outras obras, escreveu o livro "A Gorda", cuja leitura já foi aqui registada.

Muito Obrigada à Isabela por ter respondido às minhas perguntas.


HT: A Isabela veio de Moçambique muito jovem. Como foi a adaptação a Portugal?

Isabela Figueiredo: Foi difícil. Dorida. Com muita desilusão sobre o país e as pessoas. Foi um processo de adaptação a um lugar de exílio. 

HT: Alguma vez sentiu o estigma dos retornados?

 Isabela Figueiredo: Senti-o todos os dias, entre a data da minha chegada a Portugal e uma que situarei de forma imprecisa em 1984, porque penso ser essa a altura a partir da qual o tema retornados saiu do discurso diário. 

HT: Li que regressou a Moçambique me 2016. Qual foi a sensação?

Isabela Figueiredo: Foi uma bela lição para quem pensava não pertencer inteiramente a Portugal, não ser portuguesa legítima. Senti-me no estrangeiro, na terra onde nasci. Conhecia todos os lugares, conhecia os hábitos, reconhecia a língua, a cultura, mas era a terra dos outros. Disse a pouca gente que eu também era de lá. Para quê? Foi a sensação de uma bofetada forte, fria e seca nas trombas. 

HT: Fez os estudos cá, trabalhou como jornalista e também deu aulas. Como é que surge a escrita na sua vida?

Isabela Figueiredo: Fiz os estudos também lá. Iniciei lá. Os estudos não se resumem à formação universitária. A escrita surgiu com naturalidade. Eu gostava de ler e, portanto, escrever era a consequência expressiva dessa prática. Percebi cedo, muito cedo, e refiro-me à escola primária, que tinha jeito para escrever.

HT: No seu livro “A Gorda”, fala abertamente da relação com o corpo, sem rodeios e “salamaleques”. Sempre teve uma boa relação com o seu corpo?

Isabela Figueiredo: Até à puberdade o meu corpo foi fácil. Era uma rapariga ágil, cujo corpo servia bem aquela que o habitava. Servir bem significa que eu não o sentia e não era alvo de qualquer atenção em particular por sua causa. Após a puberdade, muda tudo. A genética dotou-me com um corpo volumoso e paguei o preço por esse volume, que não estava na moda, embora fosse uma rapariga bonita e saudável. Desenxovalhada. Eu sabia-o. Por isso, ser alvo de troça e de rejeição era incompreensível, incoerente. Não havia nada de errado em mim e, no entanto, eu era um erro, uma anormalidade. Não foi fácil. Não desejaria voltar a viver esses tempos.

HT: Como funciona o seu processo de escrita? Tem uma rotina ou escreve quando está inspirada? 

Isabela Figueiredo: Escrevo quando estou inspirada e depois escrevo todos os dias, nas fases finais. Não percebo porque perguntam sempre isto. A semana passada perguntaram-mo quatro vezes. 

HT: Gosta de ler? Em caso afirmativo, quais as suas referências literárias?

Isabela Figueiredo: É impossível alguém chegar a escritor sem ter lido muito. 

As minhas referências literárias são conhecidas. Literatura francesa, inglesa, russa, italiana, brasileira e portuguesa. Tudo o que li me construiu um pouco.

HT: Para terminar, já pensa noutro livro ou ainda está a "aproveitar" este?

Isabela Figueiredo: Estou já no próximo, mas claro que recebo os ecos do último e estou muito contente com o que me vai chegando.

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