Nobel da Literatura 2016, algumas opiniões #1

Penso que, independentemente de se gostar ou não da escolha, todos estamos de acordo quanto à surpresa na escolha de Bob Dylan para vencedor da edição de 2016 do Nobel da Literatura.
Como tal, o blog Histórias Transmitidas decidiu contactar alguns autores no sentido de obter a sua reação a esta nomeação.
Começamos com a opinião de Ana Kandsmar e Pedro Guilherme Moreira:

Ana Kandsmar
"Apesar da surpresa inicial, fiquei muito feliz com a atribuição do Nobel a Bob Dylan.  Acredito que qualquer forma de expressão literária, neste caso poemas posteriormente musicados, é meritória e além disso, Dylan não é um musico/autor qualquer. As suas letras mudaram o pensamento comum na década de 60. Dylan foi tão importante para a América durante a guerra do Vietnam como  Zeca Afonso foi para Portugal antes da Revolução de Abril.  Tenho pena que  António Lobo Antunes tenha ficado a aguardar uma próxima vez. Este prémio já devia ser dele há muito tempo.Ainda assim, por todas as letras fantásticas que Dylan deu ao mundo, pela sua obra riquíssima e cheia de significado para a humanidade. Dylan é um génio iluminado, um sonhador, um idealista,e este prémio é justamente merecido." 

Pedro Guilherme Moreira
"Já sei que a academia falou em "tradição musical", pelo que não falamos apenas do poeta, mas do letrista. Para mim, o letrista não devia ser para cá chamado. Mas apenas o poeta que escreve poesia, seja ou não musicada. Esse conheço pior do que o Cohen ou a Lhasa de Sela.
Qualquer um destes mereceria um Nobel da Literatura. Se o Dylan está, na poesia, ao nível deles, idem. E a presunção de que está não me parece uma falácia.
Nunca ou quase nunca me pronuncio sobre o Nobel da literatura. Até porque raramente conheço o laureado e, quando conheço, tendo a fugir ao coro proto-social dos nossos tempos. Hoje escreve-se antes de pensar. Creio até que muitos que ora se mostram escandalizados, diriram que sim, em teoria. Para esses, Dylan passou de teoricamente grande a praticamente pequeno. Acho a Academia sueca fantástica, original, irónica, estimulante. Good chaps. Não me importam os cozinhados. Sempre houve, sempre haverá. Ali há-os com classe.
Escolheram Dylan e a minha reacção imediata foi, ups, abriram mais uma ala às (relativamente rígidas) directrizes do tio Alfred, que fixe, boa ideia, mas, assim sendo, que o dessem primeiro ao Cohen. Mas depois penso como nunca me opus aos óscares de carreira, à festa sobre um método e sobre um estilo, fora a grande falha de terem ignorado o nosso Oliveira. Então este prémio do Dylan é também do Cohen e do Brel, claro que é. Podia ser do Linhares Barbosa e do Carlos Tê e até da Amália e do Rui Veloso. Podia ser da Lhasa. Oh se podia. Portanto, é. Sintamo-lo assim e celebremo-lo. E queira Dylan encará-lo assim quando hoje subir ao palco, em Vegas, e que o que acontecer em Vegas, por uma vez, saia de Vegas. Para nós. Para o mundo. Claro que ele não disse nada. Isso incomoda-me um bocadinho, confesso. Mas admitamos a falta de educação do génio. Admitamos que o génio precisa de estar em silêncio para ser génio.
Finalmente, as redes sociais merecem um elogio, por uma vez. Fora as habituais reacções parvas, sem pensar, já há muito não lia tão relevantes reflexões contra e a favor, bem sustentadas, intelectualmente honestas e humildes. Li muitas, e foi para mim evidente que ninguém tinha a certeza absoluta de nada. Estavam apenas, legitimamente, a pensar alto. Nos anos mais recentes, nunca se pensou tanto sobre este prémio. Isso, só por si, mostra o acerto do acto da Academia Sueca que, lembro, decidiu sobre propostas e nomeações de académicos e antigos laureados americanos. Não inventou a nomeação do Dylan em Estocolmo. Outra reflexão: porque é que o Dylan, ontem, antes do anúncio, era teoricamente grande e agora, para as mesmas pessoas, é praticamente pequeno? Terceira e última reflexão: era bom discutir se o mérito literário só se pode mostrar em vida. Porque o prémio é isso:
para os vivos, para os que se mostram e são mostrados. Então não premeia o mérito absoluto. Pessoa merecia um Nobel, mas demoraram pelo menos meio século a mostrá-lo. O mérito, meus caros, pode estar mais em quem esconde do que em quem mostra com muito afinco. Por isso, a impossível sentença. Prefiro, por isso, confiar numa academia calejada e com 109 prémios de experiência a dar este prémio. O resto, meus amigos, vai no vento."

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