Entrevista a João Pinto Coelho

Esta semana entrevistei João Pinto Coelho, um dos finalistas do Prémio Leya e autor do livro “Perguntem a Sarah Gross”, que nos fala sobre Auschwitz.
Muito Obrigada ao João pela sua participação.

HT: “Perguntem a Sarah Gross” é o seu primeiro livro. Fale-nos um pouco do que o levou à escrita e o porquê da escolha do tema Auschwitz?
João Pinto Coelho: Para lá da resposta clássica, que nos fala da escrita como uma projeção de tudo o que já lemos, há sempre a ideia, a semente do romance. É o vislumbre da história, um esboço, muitas vezes escasso e irrisório, mas a que nos agarramos. O livro constrói-se a partir daí, o resto são adições e subtrações; novas histórias que se incorporam, momentos e personagens que se riscam, desenlaces que se substituem, todas as dores de crescimento que os escritores conhecem e os leitores deduzem. Perguntem a Sarah Gross cresceu assim. E fê-lo em terrenos agrestes, numa pequena cidade do sul da Polónia, a que os alemães resolveram chamar Auschwitz em 1939. Escrevi sobre Auschwitz porque senão não saberia o que escrever. Sempre soube que se algum dia viesse a escrever alguma coisa, seria sobre Auschwitz, sobre a Shoah. Deixei-me agarrar pelo Holocausto há mais de trinta anos, quando descobri que aquele absurdo foi, afinal, plenamente humano; quando percebi que os homens que sujaram as mãos com tanto sangue inocente eram acusativamente parecidos comigo, parecidos com as pessoas que vejo todos os dias ao meu lado, tão capazes de serem generosas. E é essa perturbação que me mantém obstinado, interrogativo: em que circunstâncias poderíamos nós, poderia eu, fazer as escolhas erradas, as mesmas escolhas do guarda SS. Por outro lado, havia uma coisa que, inexplicavelmente, nunca tinha aparecido de forma aprofundada na ficção literária produzida em torno do Holocausto. Falo da cidade de Auschwitz, antes do campo de Auschwitz. O que existia ali antes de o Inferno se instalar? Que cidade era aquela que se fez campo de extermínio? O que o livro faz é mostrar-nos, através do olhar de duas famílias judias, como aquele lugar feliz se transformou num símbolo material do Mal absoluto. 

HT: Pode falar-nos um pouco do livro?
João Pinto Coelho: A narrativa divide-se por dois tempos e dois lugares: Auschwitz, na Polónia, desde o final da Primeira Guerra Mundial até ao ano de 1945, e Shelton, nos Estados Unidos, num colégio elitista do Connecticut, no final dos anos 1960. O romance conta-nos as histórias de duas mulheres, Sarah Gross, uma judia nascida em Chicago e que conheceu de perto o tormento do Holocausto, e Kimberly Parker, uma jovem professora de Literatura Americana, uma mulher igualmente marcada por um passado traumático. Pela interseção das vidas dessas duas protagonistas, o livro revela-nos os seus dramas privados, os contextos em que ocorreram. 

HT: Foi finalista do prémio Leya.  Acha que isso teve alguma importância na promoção do seu livro?
João Pinto Coelho: É natural que sim, trata-se de um prémio com um peso mediático relevante. Ainda assim, estou convencido de que mais importante do que isso foi a reação da crítica e, acima de tudo, o cruzamento das opiniões dos leitores.

HT: Gosta de ler? Em caso afirmativo, quais os seus escritores de referência?
João Pinto Coelho: Não conheço nenhum escritor que não goste de ler, e eu não sou exceção. Sou um leitor compulsivo desde muito novo. Por outro lado, todos os escritores que li se transformaram nos meus autores de referência, até os maus. Não consigo identificar o que me ficou deste ou daquele livro, deste ou daquele autor. Por vezes até um mau livro oferece momentos magistrais, uma simples palavra que fica. Mas, se é verdade que bebi de todos, é óbvio que há autores de quem gosto mais, e que, por isso, leio e releio. E a lista é vasta, garanto, tal como o conjunto de géneros literários. É-me impossível dizer se gosto mais de Hergé ou de Eça; quem é melhor? Edgar Pierre Jacobs ou Hemingway?

HT: Para terminar, pensa voltar a escrever?
João Pinto Coelho: Sim. Mas não é uma obsessão, há que aguardar pela tal ideia seminal.

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